
A frase “Mulher, você não está sozinha!” não é apenas um jargão usado para incentivar quem está lutando para sair de um ciclo de violência. A rede de proteção, formada por órgãos de todas as esferas de governo e também agentes civis, realmente é presente e luta para reversão de quadros assim. No caso de alguns entes que integram essa rede há também uma questão de identificação e solidariedade que encoraja as mulheres e se torna um estímulo a mais para vencer essa batalha. Este é o caso da guarda municipal Jaqueline da Conceição, de 41 anos. Na Guarda Municipal do Rio há dez anos, ela é integrante da Ronda Maria da Penha (RMP) desde a criação do grupamento especial e já venceu, ela mesma, a batalha contra a violência doméstica.
“As vezes, quando abordamos pela primeira vez as assistidas, ouvimos delas que não sabemos o que ela estão passando, porque elas se sentem incompreendidas, mas então eu conto a minha experiência e elas acabam se abrindo mais e se sentem mais seguras. Isso nos ajuda a protegê-las com mais eficácia”, destaca a GM J. Conceição.
A história da GM envolve três tipos de violência: física, patrimonial e psicológica, tudo praticado pelo ex-companheiro nos primeiros anos de casamento. J. Conceição se casou jovem aos 18 anos, apaixonada e também porque queria sair de casa, pois cresceu em um lar adotivo e tinha dificuldades de relacionamento com a irmã, que também era adotada. O sonho dela era ter a sua própria família e estava correndo tudo bem até que por volta do terceiro ano de união as coisas começaram a desandar em casa, após ela e o marido terem se mudado para o quintal da família dele.
Na época, ela já tinha dois filhos, uma menina com três anos e um menino com dois.
J. Conceição não era bem recebida pela família do marido. Mas o que agravou a crise, na verdade, foram os primeiros sinais de violência. Seu ex-companheiro não queria que ela trabalhasse ou estudasse e quando ela o fez, ele começou a ter crises de ciúmes, dizia que ela estava procurando macho, entre outras ofensas. Uma situação que a feriu ainda mais e provocou gatilhos nela, devido a sua história de vida, foi uma frase que ela costumava falar de que ela tinha que aguentar tudo que ele fizesse porque não tinha para onde ir, não tinha família. Também vieram as traições e a falta de suporte com coisas básicas em casa.
Quando decidiu dar um basta na situação, J. Conceição teve que enfrentar a violência física. Durante uma tentativa de deixar a casa, o homem a golpeou na cabeça com uma chave, cuja marca existe até hoje na cabeça dela. E mesmo depois da separação, durante uma audiência judicial para alinhar questões de pensão alimentícia, o homem tentou agredi-la na saída do fórum. Na época, há cerca de 17 anos, nem a rede de proteção às mulheres e nem a legislação estavam consolidadas ainda. Sem orientação, J. Conceição não fez denúncia em delegacia ou tentou qualquer outro tipo de medida protetiva.
Ela conseguiu se libertar do jugo. Trabalhou, estudou e quando decidiu tentar o concurso para a GM-Rio, ela teve que enfrentar mais uma vez a violência do ex-companheiro. Para passar pelo curso de formação de guardas municipais, J. Conceição precisava se desligar do emprego. Quando soube disso, o ex-companheiro ameaçou de denunciá-la para a Justiça caso ela se demitisse alegando que ela não teria como cuidar dos filhos e sustentá-los, entre outras coisas. O conselho de uma instrutora da GM-Rio, que hoje é colega de J. Conceição na Ronda Maria da Penha, e também já foi vítima de violência doméstica, a ajudou a seguir em frente.
Com mais conhecimento e segurança, ela passou a enfrentar seu agressor, não se intimidando, até que as ações de violência cessaram. Ela conta que o ex-companheiro confessou que não imaginava que ela chegaria tão longe. Mas, J. Conceição venceu e hoje é uma defensora de mulheres vitimadas pela violência. Sua história de vida foi o que a motivou a se voluntariar para integrar o grupamento e ajudar a salvar tantas vidas.
Outras guardas da Ronda Maria da Penha também já foram vítimas de violência domésticas e, assim como J. Conceição, têm muita garra e empatia para ajudar outras mulheres a vencer o ciclo da violência. Esse é um combustível a mais para elas desenvolverem um trabalho de excelência.
Saiba mais sobre a Ronda Maria da Penha – A Ronda Maria da Penha da GM-Rio foi criada em 2021 e vai completar dois anos de atuação em março deste ano. No ano de 2022, foram registradas 19 prisões e foram realizados 11.029 atendimentos, além de contar com 1.484 mulheres assistidas. Em 2023, até o dia 2 de março, já foram registradas 2.504 ações de acolhimento (visitas, ligações e acompanhamento em geral) e 1.424 mulheres assistidas. Também foram realizadas quatro prisões.
Os guardas municipais atuam na verificação do cumprimento de medidas protetivas deferidas pelos juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Capital. Os patrulheiros realizam os atendimentos com três agentes, sempre tendo, pelo menos, uma guarda feminina na equipe. A principal missão exercida pelos patrulheiros da ronda é a verificação do cumprimento das medidas protetivas, criadas para coibir atos de violência doméstica e familiar.
Veja também matéria do portal G1 sobre o tema: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2023/03/08/guarda-municipal-integrante-da-ronda-maria-penha-fala-da-rotina-de-violencia-domestica-que-viveu-me-humilhava-e-dizia-que-estava-indo-cacar-homem.ghtml